terça-feira, 6 de novembro de 2007

Análise Literária da "Outra Volta do Parafuso", de Henry James

A LIMITAÇÃO DOS FATOS PELA NARRADORA

O romance foi a grande obra de arte da burguesia e o meio pelo qual ela discutia seus problemas. Anteriormente à época de Henry James, a maioria das obras eram escritas segundo o ponto de vista do autor. O narrador onisciente descrevia as personagens e os acontecimentos dominando completamente a narrativa e acreditava que o projeto burguês daria certo. A ficção de Dickens, por exemplo, segue esse modelo. Entretanto, no final do século XIX, introduziu-se na literatura, obras nas quais existia o ponto de vista da personagem, ou seja, o narrador em primeira pessoa. Este já não dominava toda a narrativa, mas apenas parte dela, tornando a realidade subjetiva, evidenciando a falência do projeto burguês. O romance perdia o poder de explicar os acontecimentos.
Entre várias obras podemos citar a “Outra Volta do Parafuso”, de Henry James, que foi publicada numa revista entre janeiro e abril de 1898. Ele a escreveu num período no qual a convicção em fantasmas e espiritualidade prevalecia na Inglaterra e América, onde havia uma certa desilusão difundida contra a religião tradicional. De acordo com alguns críticos, o autor recebera uma visita do Arcebispo de Canterbury, Edward White Benson, que lhe contou um relato de duas crianças corrompidas por fantasmas de criados depravados e um outro amigo, Edward Gurney, publicou um conto de uma mulher e uma criança que moravam em uma casa assombrada por um criado masculino malvado e um fantasma vestido de preto. Talvez, o autor tenha se inspirado nessas duas histórias para escrever a novela. Além dessas, pode ter sido influenciado por algumas obras, tais como: “Oliver Twist”, de Dickens, “Jane Eyre”, de Charlotte Brönte, “Amélia”, de Henry Fielding e o “Erköning”, de Goethe. Outras influências incluem textos médicos a respeito de governantas e um livro sobre epilepsia de lóbulo temporal, sugerido por Oscar Cargill. Segundo James, escrever bem é o resultado de uma focalização de um número limitado de elementos. Esse foi o seu caso.
Essa novela seria simplesmente uma história de fantasmas, ou de uma mulher histérica, ou de um narrador incerto?
Lendo “A outra volta do parafuso”, sob o ponto de vista da narradora, o leitor tem um conhecimento limitado e percepção parcial dos eventos que acontecem, confiando no julgamento que ela faz. Outro aspecto significante é o uso do caráter do confidente que nos dá uma chance extra para personagem principal está pensando. Quando a governanta conversa com a Senhora Grose, não temos certeza de que ela conta a verdade à sua confidente, por sua vez, essa não nos esclarece se está acreditando ou não. Além disso, segundo a teoria freudiana, a repressão sexual da governanta a conduz a uma imaginação neurótica na qual ela vê fantasmas.
O romance pretende ser o relato redigido pela governanta, sendo escrito em primeira pessoa sob a sua perspectiva. Entretanto, no “prólogo”, o narrador não mencionado fala sob sua própria perspectiva desse manuscrito em sua posse, provendo o leitor com informação de fundo confiável. Aqui, também, é revelado a origem do título do livro: ao contar uma história de fantasmas, na qual a criança é visitada por espectros, dá a narrativa “uma volta do parafuso” e, ao falar para duas crianças, dá ao parafuso “duas voltas”.
Iniciando a narrativa, primeiramente, há uma troca da classe social da narradora, de baixa para a de governanta, que poderá até assumir o papel de mãe de Flora e Miles. Estes são descritos por ela como figuras angelicais e notáveis, levando-a a ter uma percepção positiva das crianças. Ao finalizar o primeiro capítulo, a jovem conclui anunciando “um navio que eu estivesse, estranhamente, manejando o leme” (p.18), fazendo uma metáfora ao leitor que este está vendo somente sua interpretação dos eventos futuros.
A governanta era filha de um clérico rural que vivia uma vida limitada, sem poder expressar seus sentimentos para algum homem que a atraísse. Ao receber a carta de expulsão de Miles, ela o toma por “ruim” e tem medo que o menino a “corrompa”. Incapaz de expressar suas emoções ao tio, transfere sua ansiedade nos jovens, principalmente ao menino.
A primeira aparição do fantasma no alto da torre, marca um momento decisivo na história, introduzindo um elemento desconhecido e ameaçador, que traz a maldade, iniciando a lutra entre o bem e o mal. Ao descrevê-lo para a Senhora Groise, só menciona poucos detalhes físicos. Depois ela o faz minuciosamente, levando o leitor a duvidar da existência dele.
A segunda visão é tão problemática quanto a primeira. A governanta age de maneira semelhante, perdendo a noção de objetividade. No capítulo IV, a narradora alude a um romance famoso de “Udolpho”, mostrando o desejo que ela tem de se ver como salvadora, escrevendo, assim, sua própria realidade como protetora e defensora das crianças. Se os fantasmas não são reais, o desejo de ver-se como heroina a conduz a ver os espíritos como reais e ameaçadores.
Segundo a teoria freudiana, os particulares do aparecimento do fantasma de Peter Quint, descreve-o como o estereótipo de macho sexualmente predatório.
O aparecimento da Senhorita Jessel no lago representa um fator crucial na percepção da governanta. Até esse momento, as crianças eram tidas como “anjos”, mas a partir de então, tornam-se malditas, pois elas comunicam-se com os fantasmas, mas os negariam se lhes fosse questionado.
O encontro da narradora com os dois espíritos nos degraus faz o leitor duvidar se ela está louca ou se eles são mesmo reais. O romance que ela estaria lendo poderia estar pregando-lhe peças em sua mente, podendo estar até sonhando. Quando confrontou com Quint, a governanta, sentindo-se ameaçada pelo seu poder, ele virou e partiu. Porém, com a Senhorita Jessel, isso não acontece, ele a encara. Esta cena é uma reversão da cena do lago durante a qual ela tem medo de fixar os olhos no fantasma feminino. Nota-se, contudo, que esse não a assusta e nem a intimida.
Os fantasmas, então, representariam os medos e a ruína moral da governanta.
Concluindo-se, nota-se, ao longo da novela, que a narradora usou de uma linguagem perceptiva para relatar os acontecimentos, tornando o romance altamente subjetivo. Os fatos concretos acontecem raramente, todos envolvendo o garoto Miles. Isso, nos sugere que ela era obsecada por ele. Sua decisão em tratá-lo igualmente, no final da narrativa, é o resultado de um efeito neurótico-sexual e portanto, a morte do jovem representaria uma vitória, pois não o dividiria com mais ninguém.

Referências

JAMES, H. A outra volta do parafuso. São Paulo: Círculo do livro S/A.

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