sexta-feira, 9 de novembro de 2007

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

“Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881) inaugurou o Realismo e introduziu o romance psicológico na Literatura Brasileira. Seu enfoque é a forma como seus personagens percebem as circunstâncias vividas, investindo na suas caracterizações interiores, com suas contradições e problemáticas. O meio utilizado por Machado de Assis para discutir a sociedade do segundo reinado é a abordagem da individualidade e do caráter das personagens. Prepotente, Brás Cubas, o protagonista, menciona seus defeitos e traz o leitor para de si. Segundo sua visão, o mundo é regido pelos seus desejos. Sua vontade impera, sendo entendida como egocêntrica. Na obra prevalece a ironia, como um forma para combater as verdades absolutas, das quais o personagem-narrador desacreditava a princípio. Machado utilizou-se desse recurso para o leitor desconfiar das declarações, pensamentos e conclusões de Brás Cubas. A digressão é outro elemento importante. Consiste na interrupção do fluxo narrativo, que envereda por assuntos desvinculados do tema inicial, mas mantendo com ele alguma analogia criada pela do narrador-personagem. Já, o "humor negro” foi outro recurso usado, a fim de exteriorizar o desencanto ante a miséria física e moral das personagens. No romance, percebemos algumas relações dissimuladas, tornando a vida um gozo cínico e arbitrário. Outras são verídicas, já que as personagens arriscam-se perigosamente, submetendo-se a situações perigosas. Dentre essas personagens, destacam-se aquelas que fazem parte da categoria dos opressores e as que integram a dos oprimidos. Brás Cubas é o defunto-autor. Nasceu em uma família abastada. Na infância foi mimado pelo pai. Cresceu dependente da autoridade paterna, não sabendo como decidir sua vida. Com o óbito do genitor, outras pessoas passaram a exercer essa função. A única oportunidade em que toma uma atitude é durante a partilha da herança. Logo, é fraco e dependente. Apesar desses defeitos, compara suas memórias com o Pentateuco, o qual Moisés também narra a sua morte, julgando-se superior ao herói bíblico. Ao longo da narração, mostra as características negativas de sua personalidade: apegado ao dinheiro, mesquinho, cínico, vingativo e preconceituoso. Em Coimbra, bacharelou-se, mesmo sendo um aluno medíocre. Também sofre de distúrbios psicológicos. Não é frágil, pois sustentou um caso amoroso com uma mulher casada, alimentando a relação pelo prazer de sobressair-se de Lobo Neves, que foi seu adversário político e o derrotou. Perseguiu a imortalidade e articulou uma vingança contra a sociedade, procurando imortalizar-se escrevendo um livro póstumo. Como defunto-autor, analisa o mundo que viveu. A narração em primeira-pessoa torna-o subjetivo, porque o afasta do mundo e porque se entrega a seus próprios sentimentos, já que faz evoluções de seu mundo interior, tentando rever seus atos para buscar sua paz, num relato de franqueza e inserção . Dessa forma, revela seu desejo principal: o sucesso, ambição que norteou suas atitudes. Virgília, mulher da classe alta, tinha caráter interesseiro e dissimulado. Não casa-se com Brás Cubas para unir-se a Lobo Neves. Aproxima-se e mantém um relacionamento extraconjugal com o defunto-autor. Fora ela quem conseguiu uma senhora para cuidar da casa onde se encontrava com o amante. Demonstra uma capacidade invejável: mentirosa, adapta-se ao casamento, ao adultério e a vida dupla.
Quincas Borba, homem livre e pobre, vai sofrendo uma série de transformações. Ele influencia o narrador com sua teoria do Humanitismo. Com isso, consegue ajuda financeira com a desculpa de expandir sua filosofia, o que não acontece. Sua teoria defendia a idéia de que as experiências de um homem integram um quadro de preservação da essência humana. Para Cubas, o Humanitismo convém para justificar sua existência vazia, dando-lhe um sentido para sua vida. D. Plácida, mulher livre e pobre, foi alcoviteira dos encontros entre os amantes. Sua vida sofrida resume-se em momentos de tristeza e de dificuldades. Dizia ser uma pessoa virtuosa, porém silenciava-se e auxiliava em troca de alguns trocados. Entre as personagens foi a única que sentiu remorsos pelas suas atitudes.Eugênia, mulher livre, era filha de Dona Eusébia. Possuía beleza e era “coxa de nascença”. Este defeito impedia um relacionamento amoroso, pois o protagonista era preconceituoso e indigna-se com a idéia de casar-se com ela, pelo fato dela pertencer a uma classe inferior a sua e por causa de sua deficiência física. Esse relacionamento indica uma situação na qual se misturam conflitos históricos, culturais e sociais.A narração da obra em primeira pessoa, nos dá a impressão de que os fatos se passaram exatamente como foram contados. Às vezes, interrompe a história para comentar com o leitor a própria escritura, fazendo-o participar de sua elaboração. Esse recurso é denominado de narrador onisciente intruso. Sua seqüência é determinada pelo encadeamento das reflexões do personagem-narrador. Organizados em blocos curtos, os 160 capítulos fluem o ritmo do pensamento do protagonista. Não há linearidade, pois a aparente falta de coerência narrativa é permeada por longas digressões, dissimulando uma forte coerência interna. Em suma, observa-se que existe uma tentativa de aproveitar-se das situações através de uma relação. Todos os fatos apresentam características de volubilidade, desencadeamento. No desfecho, ninguém acaba tirando vantagem de nada e acabam infelizes e frustrados. Com isso, Machado, numa narrativa centrada pelas relações sociais, quer representar o cinismo em que se dá a convivência no século XIX. A crítica da obra é a constatação do cenário contraditório da vida humana, olhada em sua parcela da classe alta carioca movida pela escravidão urbana e domiciliar.

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